Depois da aula que tive hoje de manhã da disciplina de Política Educacional e Organização da Educação Básica, não pude deixar de postar o texto que iniciou a aula desta disciplina, que pelo nome já causa muito medo(risos), mas que ao conhecê-la aos poucos tenho certeza que só vai acrescentar mais conhecimento para mim e para meus colegas de curso, além de fortalecer o desejo de mudança na Educação que tanto queremos.
Aproveite a leitura e reflita!
Pastava uma plácida vaquinha por campos verdejantes, feliz da vida pelo capim que comia; quanto mais comia, mais engordava, era capim demais para uma vaca só...
Voava por ali uma mosca-varejeira que, ao ver a gorda vaquinha, pensou: Que carne macia para nela botar meus ovos... E ligeirinha se aproximou.
Mas a vaca, sabedora das manhas da varejeira, espantou-a logo com uma rabada vigorosa. A varejeira, vendo baldados seus esforços, resolveu adotar uma abordagem diferente. Psicológica. Flutuou, então, voante, diante do focinho da vaca e começou uma conversa mole.
- Como a senhora é grande, dona Vaca! Merece mais espaço do que tem. Eu, mosca minúscula, ando por todos os lados e não há cerca que me detenha. A senhora vê aquele gordo pasto além da cerca? É muito melhor que este aqui.
E com essas palavras foi e voltou como um raio, para provar o seu ponto.
- Acho que a senhora, pelo seu tamanho e utilidade, tinha de ter este direito que eu tenho: o direito de voar e saltar sobre as cercas. Se a senhora se sente feliz com o capim deste pastinho, quão mais feliz se sentirá se puder pastar por todos os pastos que há...
A vaca, picada pelas palavras da mosca, lhe perguntou:
- Mas o que é que posso fazer?
- Eu posso ajudá-la - a varejeira afirmou. - Basta que eu bote meus ovos nas suas costas. De cada ovo nascerão duas asas e, em breve, a senhora terá milhares de asas com que voar...
- Por favor - disse a burra e democrática vaquinha -, bote seus ovos em minhas costas. - E, com essas palavras, enfiou o rabo no meio das pernas.
A varejeira começou o seu trabalho enquanto a vaca lhe dizia:
- Bote mais um, por favor...
Dentro em breve as costas da vaca estavam cobertas de calombos. Cresciam os bernes lá dentro, bebiam o seu sangue e a atormentavam com ferroadas.
- Está doendo, dona Varejeira - reclamava a vaca.
- A senhora já viu parto sem dor? São as 9.555 asas que estão nascendo...
A vaca emagrecia.
- Estou ficando fraca, dona Varejeira.
- Mas, depois que tiver asas, comerá de muitos pastos e ficará forte como um touro - a varejeira retrucava.
***
A fábula, já nossa conhecida, interrompe-se aqui, como o penúltimo capítulo de fita em série. A vaca voará? Continuará burra, acreditando na varejeira? Será comida pelos bernes?
A vaca é o país. Os bernes são os políticos.
Lição número 1: bernes não sonham sonhos de vaca. Bernes só sonham sonhos de berne. Sonho de berne é comer carne de vaca. A vaca está condenada a ficar cada vez mais magra. Terminará por morrer de anemia.
Lição número 2: é inútil dar fortificantes para a vaca enquanto os bernes estiverem nas suas costas. Fortificantes para as áreas econômica, de saúde e educação são paliativos enquanto dali não forem extraídos os bernes políticos. Os problemas que aí existem são consequências diretas da ação dos bernes, que pouco se importam com a saúde da vaca.
Lição número 3: vaca com berne só pensa em berne. As ferroadas não lhe deixam nem pensar nem gozar as coisas boas da vida.
Assim nós... Já nem sabemos conversar... Abrimos os jornais diariamente, e o costume já é procurar as fezes da classe política. É sobre elas que falamos todo dia, toda hora! Talvez este seja o maior crime que se cometeu contra o povo: roubaram-nos a capacidade de pensar bonito.
Quarta lição: berne só sai da vaca espremido...
Da mesma forma como não se pode esperar que os bernes saiam das costas da vaca por vontade própria, não se pode esperar que a classe política se regenere. O lema de "ética na política" é tão irrealista quanto o lema de bernes vegetarianos. Alguém deverá espremer os bernes.
O que estou dizendo já foi dito por Guimarães Rosa, por Albert Camus, por Hermann Hesse, que afirmava que a sabedoria política, hoje em dia, não se acha onde se encontra o poder político. Urge que toda uma corrente de inteligência e de intuição irrompa das camadas não oficiais, quando se trata de impedir as catástrofes ou de atenuar-lhes os efeitos.
A esperança para a política virá dos que não são políticos profissionais: não militam em partidos, não se candidatam, não ganham com seus cargos, não gozam de mordomias, estão fora dos círculos de poder onde se decidem as maracutaias para engordar bernes e emagrecer a vaca...
Sonho com uma política a ser feita por aqueles que nada desejam ganhar, a não ser a alegria de contribuir para diminuir o sofrimento do povo.
Dirão que sou sonhador. Mas, como estou escrevendo na manhã em que se proclama que a vida ressuscita do meio da morte, sinto-me no direito de pensar o impossível...
ALVES, Rubem. Conversas sobre Política. Campinas, SP: Verus Editora, 2010. p.91-94